Ex-diretor da RTP acusa TVI de querer descartar o primo Pedro Lima

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O antigo diretor de informação da RTP, Paulo Dentinho, é primo de Pedro Lima e revelou, numa carta aberta nas redes sociais, o drama que o ator vivia.

O jornalista da televisão pública assegura que a TVI ia descartar-se de Pedro Lima como se de um copo de plástico se tratasse, e que nos últimos tempos o ator tentou falar com os responsáveis do canal mas ninguém atendeu os seus telefonemas.

Leia na íntegra a emotiva e dura carta de despedida de Paulo Dentinho ao primo:

“Pedro, hoje finalmente consigo falar contigo. Ontem não dava, estava demasiado ocupado a apanhar os cacos da devastação da tua tão súbita ausência. E escrevo porque tenho contas a acertar. Contigo. Um dia o Mia Couto disse-me que quando escrevemos estamos sempre a acertar contas, nem que seja connosco. Pois bem, hoje é contigo.

Sabes, puto – eras o puto, lembras-te? Eras o puto canina desde que chegaste a casa dos avós. Ainda me recordo de estar ao pé de ti a fazer-te companhia para adormeceres em sossego. Tinhas tão poucos meses… Se calhar a nossa tão grande amizade – não, não era amizade, era mesmo amor – começou durante esses dias.
Naquela casa austera a tua presença endiabrada enchia tudo. Um dia viraste-te para o avô, juiz, imperial, sentado na cadeira do poder familiar, e respondeste à sua ordem seca de “menino esteja quieto!” subindo para cima da mesa. Com o dedo espetado, minúsculo ameaçador naqueles teus três anos, atiras com um “olha que te pinto!” Vá, ri, hoje podemos rir, digo eu enquanto escrevo e choro, e para me enganar a mim próprio choro de riso.

Falámos de filosofia num dia qualquer na alameda Afonso Henriques, quando já estavas no Técnico e já eras o que és hoje, muito exigente contigo mesmo e de uma generosidade enorme para com todos os outros. Eras um excelente aluno e um campeão de natação. Competias contigo. Demasiado. Falámos de Deus, da dimensão humana, do erro, do ter direito a falhar. Mas tu dizias que não tinhas direito a falhar. Eu disse-te que “até Deus falha, canina.” E falha muitas vezes.
“Paulinho, preciso de ler outras coisas. Preciso de me distrair com outras leituras.” E lá fui buscar os “Cem anos de solidão” para te ouvir depois dias seguidos a falar de Melquiades, personagem mística e sábia que te encantou. Ou perturbou?
Como uma profecia que ambos desconhecíamos, arranjei-te um biscate para fazeres um spot de publicidade, uma coisa manhosa sobre umas pulseiras manhosas, pequeno filme feito por uns amigos meus que precisavam de um jovem de porte atlético. Dias depois estavas numa agência de modelos. Deixaste a universidade a meio e foste à procura de outros sonhos até chegares ao teatro e cair arrebatado de amor.

O Jorge Silva Melo, por quem tinhas uma enormíssima admiração e que era teu amigo, disse que a tua cabeça de ator era a de um desportista: melhorar, subir a parada, treinar, melhorar. Ou a do cientista? Experimentar, experimentar. Disse também que eras dos homens mais limpos que encontrou na vida. Tão verdade, Pedro. Ele topou-te bem. Deve ser por isso que é também um grande encenador.
“Paulinho, ajuda-me. Sugere-me um poema de amor. Tenho de ler um poema de amor na TVi e sei que tu és a melhor pessoa para me aconselhar.” Disse-te que há tantos, tantos poemas de amor, mas que nenhum amor cabe num poema. Tu não cabes. És demasiado grande para caberes num único poema. Mas gostastes deste, do José Gomes Ferreira.

“Dá-me a tua mão.
Deixa que a minha solidão
prolongue mais a tua
– para aqui os dois de mãos dadas
nas noites estreladas,
a ver os fantasmas a dançar na lua.
Dá-me a tua mão, companheira,
até o Abismo da Ternura Derradeira.”
Deste-me tantas vezes a mão, companheiro. A mim e a muitos outros e outras.
Na nossa família eras o pilar, és o pilar onde nos erguemos. Em cada Natal queres todos lá em casa, ” fazes o peru, Paulinho?” Sim, faço. E trocamos prendas, e dizemos poemas. Ao teu lado vamo-nos construindo em família.

A tua força era também a tua fragilidade. E estavas frágil e muitos de nós não vimos. O Lourenço Lucena, que é um desses tantos teus amigos que ficaram destroçados, diz aquilo que muitos sabemos, que a tua empresa estava desejosa de te descartar. Devias tê-los mandado a todos para o sítio mais ordinário que existe no planeta. É nesta altura que entras em cena – conheço-te tão bem! – e é para os defenderes, para dizeres que não é bem assim, que até os compreendes, e para me alertares para os meus estados de alma, porque “já te lixaram por causa disso, e tu sabes bem!” Mas não, hoje não é sobre mim, é sobre ti, Pedro! E pergunto-te então quantas vezes lhes telefonaste nestes últimos dias sem que ninguém atendesse? Sabes, depois escrevem coisas maravilhosas sobre seres um dos actores mais versáteis da tua geração. E falam em pesar e mais uma série de palavras de plástico. Como num reclame. É o país, e país mudou pouco desde o Eça, Pedro, continua pacóvio, provinciano e cheio de gente infame. Sim, sim, já sei, queres que me cale. Queres que não diga que usam as pessoas como copos de plástico não reciclado. Mas descansa, não é só na tua empresa. Está bem, eu calo-me. Porque também tenho contas a acertar comigo, porque também eu não consegui agarrar-te. E tu, tu também não deixaste que te agarrassem! Não ouviste os teus amigos e a tua família a dizer que tudo se resolve? Mas estavas demasiado fechado em exigir de ti, em te responsabilizares e a sentires em crescendo que estavas a falhar. Deixaste-te envolver em pensamentos sombrios e fomos todos derrotados.

Sem ti isto agora perde tanto, porque sem palavras vãs eras mesmo das melhores pessoas que conheci em toda a vida.
Hoje, agora, neste instante, só queria mesmo dar-te um abraço muito forte por uma última vez, dizer-te o quanto te amamos, dizê-lo em ternura e carinho, que é assim que és. Adeus, Pedro”.

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