Considera que o Maria Vitória tem uma energia inexplicável que o transforma num lugar especial, não só porque foi aqui que conheceu o marido, Mário Redondo, mas também porque possui toda uma envolvência que marca, que transforma, que toca… Numa entrevista emotiva, Melânia Gomes, 28 anos, sorriso rasgado e olhar penetrante, é uma mulher determinada que integra uma maioria silenciosa , descontente com a situação do país, mas considera que “o ataque” não será o melhor caminho para avançar. |
Há uma frase tua que gostava que me explicasses. “Quem passa no Maria Vitória nunca mais se esquece”. Porquê? Porque é um teatro onde se vive tudo ao máximo. O teatro é mais que a própria vida, são várias vidas. Aqui faz-se revista, que é um género de teatro que tem muitos atores, muitas personagens e é um teatro com 90 anos, portanto há uma energia aqui que nos marca, que nos transforma, que nos toca… Ninguém fica indiferente. O meu marido esteve aqui dois meses a substituir um ator/cantor e ficou com uma ligação eterna a este espaço, não só porque foi aqui que iniciámos a nossa relação, mas também porque é um teatro que abraça os atores que aqui vêm pela primeira vez e que mantém uma boa relação com eles.
Acreditas que este espaço físico transmite uma energia especial? Claro que sim. Existe aqui muita energia. Não só o Maria Vitória, mas também todo o Parque Mayer. É giro perceber que o tempo que os atores passam aqui acaba por coincidir sempre com uma altura muito positiva, e de transformação, na vida de cada um, e sentem sempre imensa vontade de aqui voltar. Conheço muitos atores que por razões diversas nunca conseguiram fazer revista e têm imensa pena porque quem por cá passou relata-lhes exatamente essa boa energia que este local nos transmite. É sempre marcante.
Lembras-te da primeira vez que entraste no Parque Mayer? Perfeitamente. Lembro-me que a primeira vez que entrei no Parque Mayer tinha 18 anos, foi quando vim para Lisboa. Na altura trabalhava com o Paulo Vasco e vim ver a revista que ele estava a fazer, mas vim como aluna dele. No mesmo ano tornei-me colega e só consegui ver as duas últimas revistas, que não fiz.
Foi desta primeira experiência, que despertou o “bichinho” de fazer revista? Sempre tive o sonho de ser atriz e de representar e quando surgiu a possibilidade de vir para Lisboa fazer teatro amador fiquei extremamente feliz e nem sabia que género de teatro era. Quando soube que se tratava de teatro de revista senti que era um género de teatro que não me era assim tão desconhecido, porque não é muito diferente daquilo que a Marina Mota fez em televisão durante muito tempo, sobretudo no programa “Marina Dona Revista”.
E tu seguias atentamente esse programa é isso? Sim, essa era a minha referência. Na adolescência eu seguia esse programa e decorava os números todos. Lembro-me que dava às terças-feiras à noite na SIC, e punha a gravar. Quando chegava da escola às quartas-feiras decorava o programa todo e na quinta-feira começava a infernizar a vida a toda a gente com as minhas interpretações (risos).
Que memórias tens do início da tua carreira no teatro? Comecei a fazer teatro de rua. A minha primeira estreia foi com oito anos, na Madeira, onde fiz o “Velho da Horta”, de Gil Vicente, eu fazia de anjo. Quando ensaiava para essa peça achava que íamos atuar num teatro, mas surgiu a possibilidade de irmos à Madeira e de fazermos teatro de rua, e foi sem dúvida fantástico.
Já tinhas feito algumas revistas mas esta é a primeira vez que tens o papel de protagonista. Encaras o papel de forma diferente? Sinto que tenho muito mais responsabilidade. Sou sempre muito responsável por todo o meu trabalho, mas numa peça como esta, onde o elenco tem muitos jovens, alguns deles sem muita experiência em teatro e mais concretamente em teatro de revista, tenho que ser o modelo, a referência. Ou seja, tenho que pôr em prática aquilo que estou a pregar, ou pelo menos tentar com muita força, (risos). É impossível não ir bem preparada para cena , não só pela minha prestação enquanto atriz, no ritmo, no tom, na energia, nas marcações, mas também na apresentação, no guarda-roupa, na maquilhagem, no cabelo e acima de tudo no saber estar. Cabe-me também a mim o papel de levantar o astral a esta malta, de lhes fazer ver que não podemos desanimar sempre que não há uma casa assim tão boa, pois nem sempre podemos ter casa cheia.
Sentes que é esse o teu papel neste elenco? Meu e do Paulo Vasco, que foi quem me ensinou grande parte daquilo que eu sei no que toca ao teatro de revista. É muito giro pois às vezes nós chocamos e eu pergunto-lhe como é possível estar a fazer uma coisa completamente contrária aquilo que me ensinou. Uma coisa é o que pregamos outra é aquilo que fazemos. Comigo também, somos humanos… Mas são super saudáveis essas “discussões”, um natural choque de gerações e obretudo de carinho, porque nos adoramos! Ele diz sempre que com esta peça rejuvenesceu 20 anos e eu digo que envelheci 50 (risos). É um género de teatro muito cansativo, pois temos que estar sempre cheios de energia para as pessoas saírem daqui a cantar e muito bem dispostas.
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Achas que as pessoas continuam a vir à Revista porque já é tradição ou porque cada vez mais precisam de alguém que as faça rir? Temos uma grande corrente de público que são excursões, que vêm porque já estão habituados a vir e depois temos de ano para ano a ambição de agarrar outros públicos. E isso depende sempre do elenco, da divulgação da peça, da imagem e do “boca a boca” que se vai criando. Neste caso, este elenco bastante jovem e muito conhecido por causa da televisão propôs-se atingir um público mais jovem e temos conseguido. Temos tido imensas crianças, coisa que não estávamos nada à espera. Tentámos atingir um público mais jovem e fazer com que ele se identifique. A malta nova não acha tanta graça à parte política e esta não é uma Revista muito política, está muito equilibrada.
Só faz sentido fazer teatro de Revista aqui? Não faz sentido serem vocês a ir até às pessoas? Faz sentido. O único problema é que é uma estrutura muito pesada e economicamente é difícil o empresário pegar neste elenco, nesta montagem e ir para um teatro receber à bilheteira. É um risco enorme. Até porque o Hélder Costa tem um grande peso. O peso de ser aqui o estandarte da Revista Portuguesa e o peso das obras do Parque Mayer. Por isso, há a preocupação de manter o teatro ativo. Se mesmo assim, os apoios são os que são, então se saíssemos daqui iriam pensar que nos poderiam tirar este teatro. Nunca sabemos muito bem o que vai na cabeça das pessoas que nos governam.
Então o melhor seria haver mais teatros a fazer Revista… Há pouco tempo houve um documentário sobre Teatro de Revista em que se apontava o dedo à falta de modernização no Teatro de Revista. Mas o que as pessoas têm que perceber é que enquanto houver só um teatro profissional a fazer Revista é muito complicado porque não há competitividade. É muito complicado, porque se arriscarmos e fizermos uma coisa muito diferente,estamos quase que a eliminar o nosso público base, que está habituado à Revista desta forma. É muito fácil atirar críticas para o ar dizendo que a Revista está ultrapassada, mas se eles se deparassem com esta realidade iriam perceber.
Já reparei que adaptas o teu discurso ao público que tens. Gostavas de ter alguém em especial na plateia para mandar algum recado? Não. O público que gosto de ter na plateia é o público e ninguém em especial. Nem sempre posso dar os meus recados porque tenho textos que devo seguir. Mas é interessante ver e perceber que tipo de público é, pois percebe-se logo que tipo de pessoas temos à nossa frente. É saudável falar e criticar, porque acredito que, tal como no período que se seguiu ao 25 de Abril há uma vasta maioria silenciosa. A comunicação social gosta de especular e criar controvérsia e depois por um lado temos as pessoas que vêm para a rua e se manifestam, e por outro uma maioria silenciosa. E eu acho que às vezes tenho muitos desses ali na plateia.
E é com esses que te identificas mais? Sim, é com esses que me identifico porque acho que as pessoas devem pensar com calma pois é muito fácil atacar, o que é difícil é falar com calma e seriedade sobre todos os assuntos, e sobretudo agir! O problema é que grande parte das vezes as pessoas preferem os caminhos mais fáceis. Mas nem sempre os caminhos mais fáceis são os mais consistentes e com isto não estou a dizer que só os difíceis é que são bons. Claro que era muito bom fazermos um caminhozinho fácil e tranquilo, mas nem sempre isso é possível e acho que nós portugueses estamos um bocado mal habituados. Tem que ver com uma falta de confiança política já de há muitas décadas, bastante justificável e também com uma consciência cívica que infelizmente ainda nem todos têm.
Que projetos tens a curto prazo? Vou continuar a fazer a peça, em príncipio até Maio, e vou começar as gravações da próxima telenovela da TVI. A telenovela vai ser um desafio muito bom, é uma personagem muito boa e vai ser exatamente aquilo que eu preciso neste momento. É tão estimulante que é impossível haver cansaços. A nós, atores, é esta adrenalina que nos alimenta. ©starsonline
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