Aos 62 anos, mãe de quatro filhos, Meryl Streep é considerada uma das grandes senhoras do cinema de Hollywood. Numa entrevista intimista, a veterana atriz falou da sensação de ganhar um Oscar, do seu mundo, e de como tem sobrevivido num mundo tão competitivo como o de Hollywood.
Qual a sensação de ganhar um terceiro Oscar? É fantástico. O facto de as pessoas reconhecerem o nosso trabalho, gostarem do nosso desempenho… é muito bom.
Depois de 17 nomeações e dois Oscars, ainda é emocionante ser nomeado mais uma vez? Senti-me muito honrada, mas também com uma grande responsabilidade. Fico sempre muito nervosa, mas é sempre emocionante assistir à cerimónia de entrega dos prémios. Ainda me lembro da primeira vez que fui, e o Laurence Olivier estava aqui e eu estava ao lado do Gregory Peck e a Bette Davis estava atrás de mim. Quer dizer, eu tenho ido a muitas cerimónias ao longo de todos estes anos, mas aquela primeira vez continua a ser especial.
Como se sente sendo considerada o melhor atriz do Mundo? Nunca penso nisso durante a minha vida diária e certamente que muito menos quando estou com a minha família. Só penso nisso quando estou a ser entrevistada por jornalistas.
Depois de ter recebido tantos elogios deve ter-lhe aumentado tremendamente a auto-estima? Não! Tenho dúvidas todos os dias, e além disso, eu tive isso tudo através do meu sucesso. Os desafios propostos aumentam à medida que o tempo passa, e o que esperam de mim é que eu esteja à altura de os agarrar. Cada vez que inicio a rodagem de um filme, eu tenho vários graus de confiança e autoaversão. Penso sempre, “Porque é que eles me contrataram? Eu não consigo fazer este filme”. Tenho muitas dúvidas e digo sempre ao meu marido que eu nunca me senti tão angustiada antes. E a resposta é sempre a mesma: “Vais sempre, sempre, sempre fazer isso. Tu desmontas-te antes de começares. Esse é o teu processo. “
Como é que consegue manter uma carreira com mais de 30 anos neste competitivo mundo de Hollywood? As pessoas acham sempre que eu planeei a minha carreira. Essa é a ideia mais ridícula do mundo. Houve um planeamento muito pouco significativo. A questão é que acabo sempre por tomar a melhor das escolhas possíveis de entre aquelas que estão disponíveis para mim.
Muitos acham que Hollywood trata as suas grandes atrizes, mais maduras, pior do que nunca. Eu não concordo. Na minha idade, Bette Davis estava a fazer de mulher louca em filmes de péssima qualidade.
Como se sente com a sua idade? Envelhecer é humilhante. Mas eu estou muito grata por estar viva. Perdi muitas pessoas na minha vida e tenho tantos amigos que estiveram doentes, por isso, estou muito grata por tudo o que me foi dado, e eu tenho uma boa profissão.
Já pensou que sua carreira no cinema acabará um dia? Eu tenho sempre esse fantasma atrás da porta e a cada filme que termina eu acho que não vou voltar a trabalhar.
No cinema, normalmente, oferecem-lhe que tipo de papeis? Mulheres grotescas de alguma forma. São esses os papéis que eles escrevem para mulheres da minha idade. Talvez haja alguma coisa na sociedade, que vê as mulheres mais velhas desta maneira. O meu trabalho como atriz é torná-los multidimensionais.
Como é que explica ter tido um começo de carreira tão empolgante através de filmes como: “O Caçador”, “Kramer vs Kramer”, “A Mulher do Tenente Francês” e “Africa Minha”? Sorte, ou um bom agente, não sei. Talvez porque eu gostava de personagens que outras pessoas não gostavam. Também fiz algumas personagens muito pouco atraentes. Fui atraída para personagens difíceis, talvez isso explique alguma coisa. Porque quando somos jovens e bonitos muita coisa surge no nosso caminho. Acho que tive uma carreira estranha porque eu não era contratada para fazer de bonita ou sexy. Além disso, eu não estava interessada nessa parte da carreira. Eu gostava de filmes estranhos como “Estranhos na mesma cidade” ou “Um Grito de Coragem”
Que conselho daria a uma atriz que está agora em início de carreira? O meu conselho seria certamente que deve estabelecer desde logo uma certa distância da vaidade. No entanto a nossa imagem deve ficar na mente do público e é essa imagem que se deve preservar. A minha imagem foi importante para o meu sucesso, todo aquele cabelo e pele perfeita, mas eu percebi que ia ficar estigmatizada como aquela bonequinha de longos cabelos loiros e achei que isso era muito redutor, pois eu tinha muito mais para dar que isso.
Na vida real é mais engraçada e mais leve do que a sua imagem pública? Quando era criança, fui eleita o palhaço da minha turma. Costumava imitar as pessoas e foi aí que começou o meu interesse pela representação. Sempre gostei de uma boa gargalhada. E sou engraçada, acho eu, e não uma pessoa sombria.
Foi considerada especialmente talentosa na escola de teatro? Quase que me expulsaram de Yale. Disseram-me: “Não tens a ambição necessária, não queres isto o suficiente”. Foi uma crítica justa. Mas eu achei que não precisava daquilo para ser atriz e para ser uma pessoa feliz.
É uma atriz metódica? Nem um bocadinho. Estudei teatro nas escolas de Vassar e de Yale, mas durante as aulas eu aprendi principalmente o que eu não queria fazer. Existem dois tipos de atores diferentes, alguns são eles próprios, os outros gostam de ser outras pessoas, e eu faço parte do segundo grupo. Foi divertido para mim ver-me “desaparecer” em personagens completamente diferentes de mim. Encontrei assim o meu próprio método.
|
Então como é que se prepara para um papel? Sou conhecida como aquela atriz que faz imensas pesquisas, principalmente se vou interpretar personagens de outros tempos. Mas o trabalho do atorreside em ouvir cada parte do seu corpo e isso ocorre de cada vez que o realizador diz “acção” e ou se consegue ou não consegue.
Tem sido referenciada na comunicação social como a Rainha do Sotaque Estrangeiro, principalmente por ter sido uma sobrevivente do holocausto polaco em “A escolha de Sofia”, uma mãe australiana em “Um grito de coragem”, uma autora dinamarquesa em “Africa Minha”, uma imigrante italiana em “As pontes de Madison County” e claro a Primeira-Ministra Britânica Margaret Thatcher em “A Dama de Ferro”. Isso é o resultado do mau jornalismo, porque sotaques são uma coisa simples de se fazer. Essa não é a parte mais interessante do meu trabalho. Se eu não aprendesse sotaques eu só poderia ter feito papeis de mulheres de classe média de New Jersey e então eu teria tido uma carreira muito limitada. Além disso eu venho do teatro, onde não há preconceito contra o movimento entre culturas, os fusos horários ou os lugares. Para mim não há nenhum problema ter que interpretar uma senhora idosa ou alguém vindo de um outro país qualquer.
Mas é preciso ter talento para aprender sotaques? Eu sou extremamente influenciável pelos sotaques. Apanho logo o sotaque da pessoa com quem estou a falar. Os meus filhos passam a vida a brincar comigo. No outro dia liguei para as informações e depois estava a contar-lhes o que me tinham dito e eles perguntaram logo: “O operador é do Haiti não era?”
Trabalha em parceria com as figurinistas para criar as suas personagens? Sou a verdadeira dor de cabeça para as figurinistas porque tenho ideias muito específicas daquilo que pretendo.
Acho que pela sua carreira, já é respeitada automaticamente pelos realizadores? Infelizmente… Não! (Risos) Se até ao segundo dia de gravações eu não sei as minhas deixas eles dizem: “Bom, afinal ela não é assim tão boa”
Já lhe aconteceu estar em casa a ver os seus filmes nas televisão e ser surpreendida? Sim e inclusive esqueço-me das cenas que fiz. Depois vejo-os atentamente para descobrir o que vai acontecer. Houve uma vez que eu e as minhas filhas estávamos em casa, a ver um filme que eu fiz com o Robert de Niro que se chamava “Encontro com o Amor” e elas perguntaram: “Então o que é que vai acontecer? Ele deixa a mulher?”, e eu realmente não sabia responder porque não me lembrava.
Ainda gosta de representar? Sim ainda gosto. Adoro isto. Adoro. Adoro. Adoro.
Durante quantos anos é que rejeitou trabalhos por causa das suas obrigações familiares? A maternidade foi um trabalho a tempo inteiro e os professores dos meus filhos não gostavam que eu os tirasse só para poder ir fazer um filme. Então eu aceitava apenas um filme por ano e trabalhava cerca de quatro meses e claro rejeitava filmes se isso significasse viajar durante o ano letivo.
Porque é que não podia simplesmente deixar as crianças em casa com o seu marido? Porque ou eu estava em casa com eles ou então não conseguia dormir. Quando fiz o filme “Dançando em Lughnasa” estive sozinha, na Irlanda, durante seis semanas. Quase morri. Parecia que o tempo nunca mais passava. Depois disso nunca mais estive longe da minha família por um período de tempo maior que duas semanas. Quando eu filmava perto de casa o meu maior desejo era ser transportada “teletransportada” de casa para o set de filmagens e do set de filmagens para casa, pois eu gosto de estar em casa com a minha família todas as noites. Quando as pessoas me perguntavam qual era o filme do meu currículo que eu mais tinha gostado eu respondia sempre: “Todos os que foram filmados perto da minha casa”.
Nunca apareceu nas capas das revistas cor-de-rosa… Vivemos em Connecticut durante dezasseis anos. Lá não havia meios de comunicação, só às vezes, algumas pessoas que vinham para falar comigo e isso era bom para as crianças. Depois os meus pais foram ficando mais velhos e os meus irmãos estavam em Nova Iorque. Quando os meus filhos começaram a sair de casa para se formarem regressámos a Nova Iorque. Mudámo-nos dois dias antes do 11 de Setembro. Foi um começo difícil. Onde vivíamos havia segurança, os meus filhos nunca precisaram de chaves para entrar em casa pois a porta estava sempre aberta e quando nos mudámos para Nova Iorque tudo isso mudou.
Como é o seu dia-a-dia? Eu gosto de apanhar o metro e dar um passeio por Manhattan. As pessoas estão sempre felizes e isso faz com que eu me sinta bem nesta cidade.
Como é que conseguiu manter-se tanto tempo longe da agitação de Nova Iorque? Podemos fazer a nossa própria agitação. Não precisamos necessariamente de estar numa cidade agitada.
A moda e a passadeira vermelha são o grande cartão de visita de Hollywood. Como analisa o glamour de Hollywood? Gosto de pensar sobre as roupa dos meus personagens mas na minha vida pessoal não estou interessada na moda ou nas tendências. Fico perplexa com muitas coisas que acontecem. O meu sentido de fashion é inexistente.
Porque é que está sempre relutante em dar entrevistas? Não é porque eu seja tímida, mas simplesmente eu não gosto de dar entrevistas. A minha vida é tudo o que eu tenho e não está à venda.
Já pensou em reformar-se? Sinceramente não. Na nossa profissão, o telefone simplesmente pára de tocar.
© IFA/Casa da Imagem
{igallery id=2472|cid=22|pid=1|type=category|children=0|showmenu=0|tags=|limit=0}
|