Até hoje, nenhum intérprete (entre homens e mulheres) tem tantas estatuetas da Academia como Katharine Hepburn que ganhou quatro vezes o Óscar de Melhor Atriz, por “Glória de um Dia” (em 1934), “Adivinha quem Vem Jantar” (1968), “Um Leão no Inverno” (1969) e “A Casa do Lago” (1982).
E mais: as 12 nomeações que tem no seu currículum são todas na categoria principal, nunca como atriz secundária.
O seu brilhantismo em frente às câmeras é por demais reconhecido, mas apesar do trabalho exemplar, a sua carreira não foi fácil. Demasiado masculina, e por isso muito diferente dos padrões de Hollywood na época, não era vista com bons olhos, sendo esta a razão principal para as dificuldades que Katharine enfrentou na sua carreira.
Além de não “levar desaforo” para casa (coisa inconcebível para uma mulher em plenos anos 30), recusava-se a usar vestidos e maquilhagem quando não estava a representar. Katharine era obstinadíssima por querer usar calças. “Mas o que é que há de errado com as saias e vestidos? Essa ridícula só faz isso para se fazer notar”, repetiram inúmeras vezes os seus críticos.
A revista Movie Classics, em 1933, chegou a publicar um artigo intitulado “Vão existir calças para mulheres?”. Para se ter uma ideia, as mulheres que usavam calças podiam até mesmo ser presas no início daquela década, por “comportamento subversivo”. Então como é que Hollywood, em plena Era de Ouro, aceitaria uma atriz desse tipo?
Nascida em 12 de maio de 1907, em Connecticut (EUA), desde sempre Katharine foi diferente das outras crianças. Quando menina, criou para si uma persona masculina chamada Jimmy. Ela chegou a pedir à família que a chamassem desse jeito. Como os seus pais eram bastante liberais (a mãe foi sufragista) e, até onde se sabe, não viam muito problema nisso.
Só que, aos 14 anos, na sequência do suicídio do irmão mais velho, por quem ela tinha um carinho enorme, a sua personalidade tornou-se bastante sombria. Durante muitos anos, ela dizia que tinha nascido a 8 de novembro, data do aniversário do irmão. Katharine passou a se retrair muito e chegou a sair da escola para ter aulas em casa (no sistema americano de homeschooling).
O trauma do passado, que viria a marcar a sua vida para sempre, acabou ainda na adolescência, por fazê-la descobrir uma paixão inusitada pelo teatro. De volta ao colégio, participou em várias peças e decidiu que seria atriz.
No início dos anos 1930, Katharine começou a chamar a atenção na Broadway e as portas de Hollywood abriram-se bem depressa. Nos palcos, o boom veio em 1932 e, no mesmo ano, estreou-se no grande ecrã ao lado de John Barrymore (avô de Drew Barrymore) – no filme “A Bill of Divorcement” (Vítimas do Divórcio). A longa metragem foi um sucesso, o que fez com que a atriz conseguisse um contrato com o prestigiado estúdio RKO.
O estrelato foi meteórico e as críticas ao seu jeito de ser também. Na época, ela era casada com um empresário chamado Ludlow Ogden Smith, entre 1928 e 1934, tendo-se divorciado assim que atingiu a fama, o que fez com que ficasse mal falada, lógico. Divorciada, temperamental e a usar calças: teria que dar escândalo!
Se 1934 foi o ano do divórcio, foi também o ano em que ela recebeu a sua primeira nomeação ao Oscar, pelo filme “Morning Glory” (Glória de um dia). Katharine, com apenas 26 anos recebeu a sua primeira estatueta. Podemos imaginar a honra que foi para ela subir ao palco, não é? Pois… nem à cerimónia compareceu. E em cada nomeação, recusou-se sempre a ir: ou seja, quatro Oscars conquistados e nem um discurso sequer!
A atriz era avessa aos paradigmas de Hollywood e nunca escondeu isso. Ela amava representar, mas odiava tudo o que girava em redor. Raramente concedia entrevistas, não gostava de dar autógrafos e não costumava aparecer nos protocolos de divulgação dos filmes. Mesmo assim, o prestígio crescia e, em 1935, ela resolveu arriscar-se num filme que deixou todos ainda mais de queixo caído.
Na comédia romântica “Sylvia Scarlett” (Vivendo em Dúvida), ela interpretou um personagem que “faz de homem, corta os longos cabelos e ganha um novo nome: Sylvester”. O filme foi um fracasso! Enquanto o público da época estava acostumado a rir cada vez que um homem vestido de mulher surgia nos filmes, ver a situação contrária era algo inadmissível.
Mesmo assim, Katharine conseguiu a sua segunda nomeação ao Oscar um ano depois, pelo filme “Alice Adams” (A Mulher Que Soube Amar ou Sonhos Dourados). O facto é que ela tinha dois talentos incontestáveis: o de representar e o de ser inteligente a jogar com as regras de Hollywood!
Foi absolutamente corajosa em rejeitar rituais de feminilidade, mas vivia a sua sexualidade às escuras. Durante décadas, só se soube que a atriz teve um longo caso com o também ator Spencer Tracy e depois com o magnata Howard Hughes. Sobre Hughes, a própria Katharine viria a revelar que a relação entre os dois não passava de um acordo que beneficiou a ambos na época. Sobre Tracy, no entanto, ela só chegou a confessar o affair anos depois da morte do ator.
Mesmo assim, o historiador William J. Mann (autor da biografia Kate: The Woman Who Was Hepburn) diz que o relacionamento entre ela e Tracy era de amizade e co-dependência emocional, mas não sexual. Tanto ele quanto o lendário Scotty Bowers, afirmam que Katherine se envolvia com mulheres. Bowers diz que, durante 50 anos, a atriz se encontrou com mais de 150 mulheres indicadas por ele.
Uma coisa é um facto, apesar de causar furor nas telas, a estrela tinha uma vida pessoal reservadíssima. Muitos acreditam que ela fugia dos holofotes por pura arrogância, mas há quem compreenda isso como um medo velado de se expôr. Apesar de ter sido uma mulher que sabia jogar o jogo, isso não significa que Katherine não tenha sofrido na vida pessoal.
De qualquer forma, ela tinha fibra de sobra! “Eu não vivi como uma mulher. Eu vivi como um homem. Fiz tudo o que queria, ganhei dinheiro o suficiente para me manter e não tenho medo de viver sozinha”, declarou numa rara entrevista em 1981, com 74 anos. E manteve-se assim, sozinha, até morrer em 2003, com 96 anos.
Em resumo, Katharine dava tremendas dores de cabeça aos produtores e o público não tinha a certeza se gostava ou não daquela personalidade incrivelmente transgressora. Talvez seja por isso que, apesar de ser uma figura tão histórica, no imaginário popular, o apelido Hepburn seja sempre associado primeiro à atriz inglesa Audrey e só depois a Katharine.
Mesmo assim, ela deixou o seu legado e é considerada pelos críticos como a atriz americana mais brilhante do Século XX. Hoje, além da intérprete memorável que foi, também vale a pena olhar para Katharine como exemplo de uma mulher forte. Daquelas que não foram compreendidas na época justamente por estarem tão à frente dela. Uma guerreira inspiradora para muitas mulheres!
Filmografia
1932 – A Bill of Divorcement (br: Vítimas do Divórcio)
1933 – Little Women (br: Quatro Irmãs)
1933 – Morning Glory (br: Manhã de Glória) – OSCAR
1933 – Christopher Strong (br: Assim Amam as Mulheres)
1934 – The Little Minister (br: Sangue Cigano)
1934 – Spitfire (br: Mística)
1935 – Break of Hearts (br: Corações em Ruínas)
1935 – Sylvia Scarlett (br: Vivendo em Dúvida)
1935 – Alice Adams (br: A Mulher que Soube Amar)
1936 – A Woman Rebels (br: Liberta-te Mulher!)
1936 – Mary of Scotland (br: Mary Stuart, Rainha da Escócia)
1937 – Stage Door (br: No Teatro da Vida)
1937 – Quality Street (br: A Rua da Vaidade)
1938 – Holiday (br: Boêmio Encantador)
1938 – Bringing Up Baby (br: Levada da Breca)
1940 – The Philadelphia Story (br: Núpcias de Escândalo)
1942 – Keeper of the Flame (br: Fogo Sagrado)
1942 – Woman of the Year (br: A Mulher do Dia)
1943 – Stage Door Canteen (br: Noivas do Tio Sam)
1944 – Dragon Seed (br: A Estirpe do Dragão)
1945 – Without Love (br: Sem Amor)
1946 – Undercurrent (br: Correntes Ocultas)
1947 – Song of Love (br: Sonata de Amor)
1947 – Sea of Grass (br: Mar Verde)
1948 – State of the Union (br: Sua Esposa e o Mundo)
1949 – Adam’s Rib (br, pt: A Costela de Adão)
1951 – The African Queen (br: Uma Aventura na África)
1952 – Pat and Mike (br, pt: A Mulher Absoluta)
1955 – Summertime (br: Quando o Coração Floresce)
1956 – The Iron Petticoat (br: A Saia de Ferro)
1956 – The Rainmaker (br: Lágrimas do Céu)
1957 – Desk Set (br: Amor Eletrônico)
1959 – Suddenly, Last Summer (br: De Repente, no Último Verão)
1962 – Long Day’s Journey into Night (br: Longa Jornada Dentro da Noite)
1967 – Guess Who’s Coming to Dinner (Adivinha Quem Vem para Jantar) – OSCAR
1968 – The Lion in Winter (O Leão no Inverno) – OSCAR
1969 – The Madwoman of Chaillot (br: A Louca de Chaillot)
1971 – The Trojan Women (br: As Troianas)
1973 – A Delicate Balance (br: Equilíbrio Delicado)
1973 – The Glass Menagerie (br: ‘Algemas de Cristal) – Filme para TV
1975 – Rooster Cogburn (br: Justiceiro Implacável)
1975 – Love Among the Ruins (br: Amor entre Ruínas) – Filme para TV
1978 – Olly Olly Oxen Free (br: A Grande Aventura)
1979 – The Corn Is Green (1979) (br: O Milho Está Verde) – Filme para TV
1981 – On Golden Pond (A Casa do Lago) – OSCAR
1984 – The Ultimate Solution of Grace Quigley (br: Um jogo de Vida e Morte)
1986 – Mrs. Delafield Wants to Marry – Filme para TV
1988 – Laura Lansing Slept Here (br: Laura Lansing Dormiu Aqui) – Filme para TV
1992 – The Man Upstairs – Filme para TV
1993 – Katharine Hepburn: All About Me (br: Katharine Hepburn: Tudo Sobre Mim) – Documentário feito pela própria atriz.
1994 – One Christmas (br: O Poder do Natal) – Filme para TV
1994 – Love Affair (br: Segredos do Coração)
1994 – This Can’t Be Love (br: Vestígios de uma Paixão) – Filme para TV